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7 de fevereiro de 2022
Falta apoio do estado, que fez questão de sucatear a cultura e, sem apoio, a arte é obrigada a viver às margens
Mãos e pés enormes. Cabeça pequena. O Abaporu, de Tarsila do Amaral, é mesmo o homem que devora a cultura europeia redefinindo-a sob os preceitos da brasilidade ou é a representação da massa manipulada de trabalhadores escravizados por migalhas? Da crítica à ruptura, a arte inspira interpretações que viajam no tempo e lançam ideias, conceitos e comportamentos. Alguma semelhança com a publicidade?
Na comemoração dos cem anos da Semana de Arte Moderna, que ocorreu no Theatro Municipal de São Paulo nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, o mercado da propaganda reverencia a influência inegável de ícones do modernismo.
Vai desde Abaporu, o “homem que come gente”, pintado por Tarsila em 1928 – uma das peças mais valiosas da arte brasileira, hoje no acervo do Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba) -, até a denúncia de flagelos que insistem em assolar a população mais humilde.
Em Criança Morta, da série Retirantes, o pintor Candido Portinari usou técnicas expressionistas para retratar, em 1944, a degradação do trabalhador brasileiro. Figuras esquálidas circundam uma mãe que carrega o filho morto. Quase 80 anos depois, a tela ainda fala pela miséria de um povo que precisa revirar o lixo para extrair algum alimento.
“Na pintura, Portinari é referência pela abordagem política e questionadora. Criança Morta é uma obra que, infelizmente, continua atual e impactante”, lamenta Jairo Anderson, diretor de criação da Publicis Brasil. Na literatura, o destaque é para o humor, a ironia e o coloquialismo de Oswald de Andrade, enquanto Heitor Villa-Lobos traz elementos indígenas e folclóricos para a música considerada clássica.
“Ainda hoje, a gente fica preso nessa ideia de que o erudito e o popular são mundos diferentes. O viés crítico, a ironia e o apreço pela nossa cultura continuam me influenciando”, afirma Jairo Anderson.
Soltando o verbo
Quantas vezes a Monalisa, O Pensador ou Carmina Burana foram utilizados para vender algo? A reflexão de Anderson escancara a importância que a arte exerce na publicidade. O professor João Carrascoza, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (PPGCOM) da ESPM, explica que as inovações artísticas e a iconoclastia dos modernistas brasileiros foram incorporadas pela publicidade nas instâncias verbal e visual.
“As peças publicitárias ganharam coloquialidade em termos formais, além de figuras de linguagem e o apelo à autoridade, tanto quanto irreverência e humor no plano de seu conteúdo, lembrando o poema-piada”, confirma. No âmbito visual, a propaganda passou a assimilar os traços expressivos de pintores e ilustradores nas imagens disseminadas em anúncios, cartazes e materiais impressos.
O impacto moldaria o futuro. “A concepção de um mundo veloz, aberto ao consumo, do dinamismo da vida urbana e de um espírito nacional, vai se formando, para ganhar relevância mais adiante”, conta Carrascoza, autor de Trilogia do Adeus e Aos 7 e aos 40, entre outras obras que já lhe renderam prêmios nacionais e internacionais.
A influência resultou no avanço comercial do rádio e o advento da televisão, meios nos quais a ideia de brasilidade se impõe. Pio Figueiroa, diretor de cena da PilotoTV, acredita que a Tropicália e o Cinema Novo, com Glauber Rocha, também são desdobramentos da Semana de 22.
Comida e arte
Alimentar-se de uma cultura importada para renovar a estética da arte brasileira foi o Manifesto Antropófago proposto por Oswald de Andrade e simbolizado com o Apaporu, que o escritor ganhou como presente de aniversário de Tarsila do Amaral, sua mulher à época.
“Fazemos isso todo dia na propaganda brasileira. A gente assimila as tendências criativas internacionais, as ‘devora’ e cria a própria versão disso tudo”, constata Erico Braga, diretor de criação executivo da Africa. A essência disruptiva do movimento abraça seguidores. “Primeiro se derruba os preconceitos para elevar outras verdades”, disse Oswald de Andrade em 1922. Na frase resgatada por Sergio Mugnaini, CCO da SunsetDDB, a influência transborda provocação. “Assim como na arte, a publicidade quebra padrões. Agradando alguns e frustrando outros”, compara.
Mas Talita Cardozo, diretora de criação da DPZ&T, faz uma ressalva. “Não dá para deixar nas mãos de um grupo só a possibilidade de retratar todos os corpos e vivências. Não existe ruptura nenhuma aí”, adverte. Ela alerta para julgamentos míopes, caso o repertório fique baseado no trabalho de homens brancos, heterossexuais, cis e ricos. “Não acho que a maioria das lideranças já tenha entendido que o olhar delas é limitado. Ainda falta muito para romper com o status quo, por mais disruptivo e criativo que nosso mercado pense ser”, contesta.
Representação
A aristocracia brasileira da década de 1920 estava determinada a fincar por aqui ideias lapidadas após estudos na Europa. Ao propor a mudança gradual da estética e da linguagem, os artistas abriram caminho para o modernismo. “Não podemos deixar de enxergar a importância de Guiomar Novaes na música, as composições de Heitor Villa-Lobos, os textos provocativos de Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, e as reflexões a partir da obra Homem Amarelo, de Anita Malfatti”, recomenda Mugnaini.
A revista Klaxon, usada para divulgar o modernismo, é outro expoente. “Sua estética era completamente disruptiva para a época”, enaltece Juliana Utsch, diretora de criação da GUT, que se inspirou na publicação para criar pôsteres da Miami Ad School. “Gosto da tipografia e da forma como era diagramada”, acrescenta.
A direção de arte brasileira realmente não seria mais a mesma. Encontrou nas cores de Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti uma forma de representar o povo. “Sempre que trabalho a figura humana, tento representar toda essa diversidade brasileira”, revela Braga, que também é professor da Miami Ad School.
Exemplo da influência humana enraizada na Semana de 1922 foi a última campanha criada pela Africa para o iti, banco digital do Itaú. Brasileiros com cores e formas diversas interagem com braços gráficos desproporcionais para comunicar os benefícios do banco. Carrascoza esclarece que a presença dos tipos humanos característicos do país se consolida na publicidade como alguns dos traços mais fortes herdados do modernismo.
“A diversidade brasileira do quadro Operários e as proporções exageradas do Abaporu não deixam de ser referências nesse trabalho”, atesta Braga. A obra Operários também é de Tarsila do Amaral, que ganhou a animação Tarsilinha, com estreia nesta quinta-feira (10) nos cinemas. A trilha foi produzida por Zezinho Mutarelli e Zeca Baleiro, e a animação é de Celia Catunda e Kiko Mistrorigo.
Mulheres arteiras
Mensagens e hábitos sofrem interferências vindas de obras que exercem “uma série de funções sociais, como provocar, informar, ressignificar e transgredir”, complementa Fernanda Peka, diretora de arte da FCB Brasil, que sublinha o trabalho de Di Cavalcanti. “Era ilustrador para publicidade e um artista muito versátil”, define.
Egressa de uma área majoritariamente masculina, entretanto, Peka exalta a presença de Anita Malfatti, “que é considerada a maior estrela da mostra”, comenta. Mesmo sem ter participado da Semana de 1922, Tarsila é um dos maiores nomes do modernismo no Brasil, e também enche os olhos de Peka pela luta feminina no meio artístico.
Daí veio a referência para a campanha HerShe, da marca Hershey’s, que em 2021 retratou diversas mulheres artistas inseridas nos seus universos. “Até hoje é muito bonito ver essas mulheres colhendo os frutos desse projeto”, comemora Peka, que participou do trabalho assinado pela BETC Havas.
Tarsila do Amaral também encanta Vinicius Theodoro, design director da Wieden+Kennedy. “Ela absorveu muito bem as técnicas e as influências europeias para fomentar o desenvolvimento de uma nova estética brasileira, que me influencia muito”, diz. As ilustrações de Theodoro criadas para a chuteira da Nike, que o jogador Richarlyson usou na Copa América, por exemplo, lembram os traços de Abaporu.
Publicidade é arte?
Para Flavio Waiteman, sócio e CCO da Tech and Soul, a atividade pressupõe “um ofício comercial completamente mergulhado na arte, e quer o mesmo: uma emoção, uma sugestão, uma reflexão”. Paira, de qualquer forma, o debate sobre o quanto um trabalho publicitário é artístico. “Não vejo a nova geração com essa preocupação de ter um trabalho lembrado pela sua arte. Alguns criativos buscam trabalhos autorais, no entanto, enxergo muito mais a vontade de descobrir algo novo”, observa Mugnaini, da SunsetDDB.
Talita Cardozo, da DPZ&T, prefere falar sobre criatividade porque “propaganda está longe de ser arte”, e enfatiza que as novas gerações não devem se limitar aos critérios do mercado. “Deu medo de apresentar porque ninguém fez isso ainda? Apresente”, provoca ela.
Antenas de comportamento, artistas dispõem de liberdade para causar o estranhamento e o desconforto típico de inovações. E podem denunciar clamores sociais sem responder a briefings específicos, o que favorece o experimento de ideias, linguagens, conceitos e formatos. “Por não ter censura, a arte abre um leque de possibilidades. E isso vira referência para a propaganda na hora de criar”, ressalta Juliana Utsch, da GUT.
A liberdade de escolha que os artistas têm para expressar uma emoção ou ideia permite romper os padrões estéticos vigentes, transpondo barreiras linguísticas e se tornando uma ferramenta capaz de comunicar sem palavras. “A arte se torna uma fonte de inspiração não só para a publicidade mas também para design, arquitetura etc”, enfatiza Vinicius Theodoro, da Wieden+Kennedy.
Como essa flexibilidade não encontra tanto espaço no ambiente de agência, “ficar atento ao que está acontecendo no mundo das artes é crucial para nós, criativos”, concorda Ricardo Leme Lopes, head of art da Ogilvy Brasil. Fã de Anita Malfatti e Portinari, o designer frisa que a Semana de 1922 foi um divisor de águas para o pensamento criativo brasileiro.
“Mas não podemos nos enganar, por mais que nossa profissão flerte com a arte, não somos artistas. A mensagem precisa ser recebida da forma mais clara possível”, pondera Jean Guelre, diretor de arte da VMLY&R, que tem Candido Portinari, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti entre os seus artistas mais admirados. “São exemplos de quebra de padrões, e pessoas à frente de seu tempo, falando de uma despasteurização do que se vinha fazendo. Artistas não são feitos para se encaixar em padrões da época”, repara Guelre.
Pano para a manga
O uso da arte para fins comerciais é mesmo uma discussão pintada em luz e sombras. Segundo Carla Cancellara, diretora de criação da Artplan, os interesses de negócios, muitas vezes, estão “desconectados com o propósito daquela arte, a legitimação versus a descaracterização de movimentos”.
O oposto também acontece. “Há conteúdos publicitários, que são verdadeiras obras e, algumas vezes, são atribuídos erroneamente a escritores famosos”, contrapõe Carla, que tem Oswald de Andrade, Villa-Lobos e, especialmente, Anita Malfatti entre os seus preferidos, além de Guiomar Novaes, conterrânea da família de Carla, natural da cidade de São João da Boa Vista (SP). “São duas mulheres que conseguiram obter reconhecimento e mostrar a sua arte revolucionária mesmo numa época em que elas nem podiam votar”, reflete.
A herança está na busca da liberdade criativa, ainda que atrelada, naquela época, à visão de uma elite com referenciais europeus. “Aristóteles dizia que
a arte imita a vida. Já Oscar Wilde achava exatamente o contrário. Eu acho que ambos tinham razão”, opina Sleyman Khodor, diretor-executivo de criação da Lew’Lara\TBWA.
Ele lembra que a publicidade já teve status de arte ao longo da história, participando da cultura popular e do cenário cult. Fato é que “toda forma de arte teletransporta as pessoas para um lugar e sentimento únicos, e isso, na hora de se fazer propaganda, traz referências e conclusões igualmente individuais para as conversas que vão gerar grandes ideias”, crava.
Para Khodor, a revolução que a arte moderna provocou na cultura brasileira está em Abaporu, “uma marca registrada de brasilidade; e em Macunaíma, de Mário de Andrade”. Personagem que se reinventa, Macunaíma, de 1928, também é lembrado por Pio Figueiroa, da PilotoTV. “Está espalhado no rapper, no slam, no pixo e no samba”, reconhece.
Pinceladas
Na internacionalização da arte brasileira, Flavio Waiteman destaca o maestro Heitor Villa-Lobos. “Ele conseguiu colocar o Brasil no mundo com arranjos e temas universais de nosso quintal, como o trenzinho caipira”, lembra. Mas Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti já inspiraram trabalhos da Tech and Soul. No fim de 2020, a agência criou A Arte de Se Cuidar, para o lançamento das loções corporais de Dove.
O projeto patrocinou a restauração de obras que retratam a mulher brasileira, colocando a tela como a pele da obra de arte. Vendedora de Flores (1947), de Djanira da Motta e Silva; Cinco Moças de Guaratinguetá (1930), de Emiliano Di Cavalcanti; e Autorretrato com Vestido Laranja (1921), de Tarsila do Amaral, foram as peças reparadas com o apoio da marca da Unilever. Vencedora de prêmios como Clio Awards e One Show, a campanha foi feita em parceria com o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp.
As duas últimas edições da Bienal de Arte também foram comunicadas com estratégia da Tech and Soul. Em 2021, o filme Abissal ganhou, na voz de Pedro Bial, a mensagem de que luz e conhecimento libertam da escuridão. “Era uma campanha que falava sobre o momento cultural que vivemos, de escuridão, e da importância de emergirmos e de termos a arte para abrir a cabeça”, pontua Waiteman.
Não é de hoje que a arte influencia a propaganda. Tem os cartazes art-nouveau feitos por Toulouse-Lautrec para cabarets e estabelecimentos que revolucionaram a direção de arte na Paris do século 19, e as peças publicitárias usadas por Andy Warhol, ícone do movimento Pop. “Ele fez trabalhos sob encomenda para marcas como Campbell’s, Channel e Absolut”, relembra Braga, da Africa.
Obra digital
As bases extrapolam as artes visuais. Encontram espaço na música, cinema, literatura, escultura e nas novas formas de se fazer arte. Com as criptomoedas NFT, sigla para Non-fungible Tokens (em tradução livre, tokens não-fungíveis), a arte digital revoluciona a cultura.
A animação em forma de octógono Quantum, primeiro token não fungível criado pelo artista nova-iorquino Kevin McCoy e pelo empreendedor Anil Dash durante evento realizado no Museu de Arte Contemporânea de Nova York em 2014, foi leiloado na Sotheby’s por U$ 1,4 milhão, em junho de 2021.
Dados do site Nonfungible.com mostram que mais de US$ 2 bilhões foram gastos em NFTs nos primeiros três meses de 2021, alta de 2.100% em relação ao quarto trimestre de 2020. No Brasil, o mercado de objetos digitais com propriedade certificada movimentou US$ 754,3 milhões no segundo trimestre do ano passado, valor 35,5 vezes maior em relação ao mesmo período de 2020.
A performance foi impulsionada pelas obras de arte digitais. “Estamos falando da Semana de 22 no mesmo ano em que conversamos sobre NFT’s. É essa combinação de passado, presente e futuro, entendendo que nenhuma época é melhor que a outra, que faz a mágica acontecer”, sublinha Khodor, da Lew’Lara\TBWA.
Há cem anos, não existia computador, impressora 3D e grafite, entre outras manifestações que abrem possibilidades para a arte de hoje e seus talentos. Khodor cita Adriana Varejão e Antonio Prata, além de Eduardo Kobra, autor de um painel de 5.742,11 metros quadrados, considerado um dos maiores murais grafitados do mundo, instalado na fachada do complexo fabril da Cacau Show, em Itapevi (SP).
“Artistas são artistas, independentemente do espaço-tempo que ocupam. O que faz diferença são as referências que influenciam a arte ao longo dos anos e a forma com que essa arte é produzida”, considera.
Mais respeito
Não falta base artística hoje no Brasil e sim “apoio do Estado, que fez questão de sucatear a cultura, e, sem apoio, a arte é obrigada a viver às margens, deixando de ser tão vista quanto deveria”, critica Fernanda Peka, da FCB Brasil.
O orçamento federal destinado para políticas culturais caiu de R$ 3,33 bilhões em 2011 para R$ 1,77 bilhão em 2021, corte de 46,8%, segundo dados do Siga Brasil, plataforma do Senado Federal. Extinto pelo governo de Jair Bolsonaro logo na sua posse, em janeiro de 2019, o Ministério da Cultura (MinC) foi relegado em 2020 a uma secretaria especial – a Secretaria Especial da Cultura (Secult) – dentro da pasta do Turismo.
A história artística nacional pede mais respeito. Apesar da sua criatividade e expressão, o Brasil mostra hoje a imagem de um “país feio, grosseiro, violento, de mau gosto, completamente contrário ao humor, às origens e ao orgulho propostos pela geração de 1922”, situa Jairo Anderson, da Publicis Brasil.
Jean Guelre, da VMLY&R, aponta os contrastes. Há campanhas consideradas inovadoras na Argentina, país com intensa tradição no cinema. Já no Brasil, “vemos um povo que nos últimos anos consumiu muita novela, muito conteúdo fácil de ser engolido, que cumpre o papel de apenas entreter”, desabafa.
Mas Guelre vê mudanças puxadas pela street art, capaz de aproximar as pessoas de um novo universo compartilhado em tempo real nas redes. “Arte deveria ser algo confortável, acessível de se consumir, que bom que está tomando esse rumo”, indica o diretor de arte da VMLY&R, que sublinha os trabalhos de Criolo, na música; Vermelho Steam, nas artes plásticas; e Daniel Galera, na literatura.
Garimpo
Adriana Varejão, Irmãos Campana, Morito Ebine, Pedro Vinicio, Janaina Wagner e Pedro Luis estão na lista de artistas contemporâneos de Juliana Utsch, da GUT. “Centenas ainda não foram descobertos”, avisa. Artes plásticas, música, filmes e até a marcenaria instigam Juliana a criar novas formas. “Muitos diretores de arte só bebem de fontes digitais, como Pinterest, Behance, e acabam deixando o legado que outras gerações produziram. E são dessas fontes que tiramos insights, pois elas têm conceito, mais que visual”, orienta.
Talita Cardozo, da DPZ&T, engrossa a bronca: “Tratamos a própria cultura como estrangeira. Referências não faltam. Falta tempo e disponibilidade de procurá-las em outros lugares, inclusive fora da internet”. Já Erico Braga sugere para os seus alunos de direção de arte na Miami Ad School que “antes de abrir o Photoshop e sair layoutando, pesquisem referências, se inspirem e imaginem o layout”.
O professor reforça o papel das mídias sociais no renascimento da arte. Em todo o país, surgem trabalhos mais diversos, inclusivos e acessíveis, que não se restringem a uma elite intelectual concentrada em São Paulo. “Por mais que abordassem temas como folclore, retirantes e desigualdade social, era uma visão de fora. Estamos aprendendo a reconhecer o trabalho revolucionário de quem efetivamente vive isso”, afirma Carla Cancellara, da Artplan. Foram necessários cem anos para que nomes como Angelica Dass, Rosana Paulino e Maxwell Alexandre fossem celebrados em sua arte, “mas é um caminho sem volta”, defende.
Desta vez, a ruptura deve ser pautada pela diversidade de corpos e narrativas. “Hoje, queremos nos livrar do cabresto europeu no que diz respeito à produção de pensamento”, aspira Vinicius Theodoro, da Wieden+Kennedy, certo de que a cena artística contemporânea está em expansão no Brasil.
O desejo do passado, de romper com o pensamento colonial arraigado na modernidade, hoje abre caminho para “pessoas pretas, povos originários, pobres, periféricos, LGBTQIA+, entre outros grupos que geralmente não ocupavam esses espaços”, indica Theodoro. Maxwell Alexandre, Diambe Silva, Laís Amaral, Yhuri Cruz, Vinicius Monte, Heloisa Hariadne e Ventura Profana, estão entre as suas principais referências.
Tinta fresca
Entender o que é referência artística hoje no Brasil é fundamental. Para Sergio Mugnaini, da SunsetDDB, Caetano Veloso no Tik Tok é uma delas. “Vejo a nova geração mais ligada com algoritmos que identificam tendências de design e arte, do que tentando criar algo a partir de conhecimentos artísticos decorrentes do estudo de arte”, relata.
Ainda assim, as cores dos trabalhos de Anita Malfatti inspiram jovens artistas digitais. E até a música de Villa-Lobos pode virar hit de um MC. Assim como a Semana de Arte Moderna rompeu com o parnasianismo europeu, hoje artistas continuam se alimentando das diferenças entre os movimentos para ousar e inovar.
Conhecimento, técnicas, craft, estudo e tentativas são os esforços elencados por Flavio Waiteman, da Tech and Soul, para que as novas gerações criem o próprio caminho e estilo. “Os Gêmeos, artistas como Banksy, Varejão e Vik, todos estão a um clique ou a uma ida ao Beco do Batman. A linguagem publicitária nos traz essas referências, e uma alma curiosa tem por onde se encontrar”, aconselha.
A essência questionadora da arte resiste. O que muda é a conjuntura social e histórica, além dos meios que ela busca para se manifestar. “Hoje, temos muito mais do que pintura, escrita, escultura. Tem vídeo, dança, grafite, moda, cinema e todas as possibilidades do digital”, reitera Jairo Anderson, da Publicis Brasil.
Movimentos vindos das ruas, como o funk e o rap, alcançaram o status de arte, “e vêm daí as nossas referências da arte brasileira de hoje”, analisa Ricardo Leme Lopes, da Ogilvy Brasil, que ainda destaca a importância de trabalhos colaborativos de criação capazes de tornar a arte mais acessível.
A busca pela democratização encontra apoio na iniciativa privada. Em 2017, a Ogilvy criou A Voz da Arte, que permitia conversar com as obras expostas na Pinacoteca de São Paulo por meio da solução de inteligência artificial IBM Watson. O projeto gerou mais de 200 mil interações entre cerca de 25 mil visitantes. O público aumentou 50% durante o primeiro mês da ação, que foi replicada no Museu de História Natural da Cidade do México.
“A criatividade consegue conectar disciplinas tão distintas, como a arte tradicional e tecnologia, encurtando caminhos e tornando a experiência de ir ao museu mais rica e interativa”, declara Bruno Perez, diretor de atendimento da Ogilvy para a América Latina.
Mesmo diante dos entraves, o Brasil resiste em ser artístico. “Hoje, Macunaíma é Emicida, Kléber Mendonça, Aparelha Luiza, Krenak, Silvio Almeida, Rita Von Hunty, Gil, Mateus Aleluia, Denilson Baniwa, Paulo Galo, Anitta, Grace Passô e João Gomes”, enumera Pio Figueiroa, da PilotoTV.
O que dizer de Amarelo, álbum lançado por Emicida no Theatro Municipal de São Paulo em 2019, mesmo palco da Semana de 1922? Um novo gesto de descentralização renova a antropofagia, que agora vem da poesia urbana.
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