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1 de julho de 2022
Em reunião de mais de quatro horas, executivos ouvem relatos de como é a vida das pessoas trans
Executivos de grandes agências de publicidade com sede em São Paulo reuniram-se na noite de quarta-feira para ouvir três ativistas da comunidade LGBTQIAP+. A mensagem foi clara: querem ter mais voz e participação na produção e nas peças publicitárias.
“Em vez de falarem de nós, queremos falar mais”, disse Ariel Nobre, secretário executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda. “Para mudar a história é preciso mudar o modo de contar a história”, afirmou a uma plateia de cerca de 40 pessoas.
Primeiro homem trans a estrelar uma peça publicitária, em 2016, pela Avon, Nobre foi o mestre de cerimônias do encontro, que aconteceu na residência do diretor de comunicação da Leo Burnett Tailor Made, Jef Martins.
Entre os presentes, estiveram executivos agências de publicidade Black Influence, ADA Strategy, Media Monks, Suno Creators, Accenture Interactive, GUT, Publicis, IPG Media Brands, Soko, New Vegas, Grey, Opus, AKQA, Fbiz, Wundermam Thompson, WMcCann, APP, Droga5, CP+B, além do Clube da Criação e Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) e Associação dos Profissionais de Propaganda (APP).
Os executivos não falaram. Ouviram. Foram duas palestrantes: a publicitária Neon Cunha e a deputada Erica Malunguinho, eleita pelo PSOL em 2018 como a primeira mulher trans na Assembleia Legislativa de São Paulo.
No final do encontro, que durou mais de quatro horas, Ariel leu um manifesto. “Não somos um perigo para as famílias. Não somos um perigo para as agências, não somos um perigo para o Brasil. Nós estamos em perigo”, disse.
O texto lembrou um recorde trágico para o Brasil, que ocupa o primeiro lugar no mundo, há 13 anos consecutivos, entre os países que mais matam pessoas trans. Foram 175 em 2020 e 140 em 2021.
Um levantamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mostra que entre as pessoas trans a evasão escolar chega a 82%. Muitos deles vão para as ruas das cidades grandes. Em São Paulo, entre 5% e 9% da população de rua se define como trans.
O manifesto questiona por que personagens trans não fazem parte das propagandas de família no Natal, no Dia das Mães e no Dia dos Pais: “A hegemonia de famílias brancas, sem trans, nas peças publicitárias afastam pais, mães e filhos. Nós, trans, somos famílias”.
A história de vida de Ariel Nobre, Erica Malunguinho e Neon Cunha, coincide no abandono pelas famílias. Nobre contou que se afastou da mãe aos 17 anos e só recentemente, às vésperas de completar 35 anos, reatou o contato.
Nobre pediu que a publicidade e a comunicação em geral “incluam a comunidade trans nos espaços de amor, comida, educação e trabalho”. Ele contou que se deparou com um abismo, quando entrou em contato com o mundo da publicidade, em 2016. “Todos tinham dentes, todos comiam”.
Antes da deputada Malunguinho começar a falar, recebeu uma salva de palmas, a pedido de Neon. Ela travou uma longa batalha judicial para conseguir ser reconhecida pelo nome, como mulher, sem ter que passar por exame médico. Com 12 anos, contou, caiu na prostituição e só aos 26 teve uma relação sexual consentida.
Assim como Nobre, a deputada também foi afastada pela família pernambucana e veio morar em São Paulo, depois de passar por muitas humilhações. “Era agredida pelos colegas de escola, uma vez me deixaram pelada na rua”.
A deputada Malunguinho lembrou a derrubada, em maio do ano passado, do projeto de lei 504, que tramitava na assembleia paulista, que propunha a exclusão de pessoas trans dos comerciais. Pedagoga e mestre em história da arte, Malunguinho, disse que o projeto, que ajudou a derrubar, era cruel. “A diversidade é a regra na natureza, se não é respeitada estamos doentes”, disse.
Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis Brasil, estava na reunião e falou ao Valor sobre a iniciativa: “É muito importante, porque é preciso mudar a mentalidade: pessoas trans são consumidoras das marcas dos nossos clientes, foram invisibilizadas por muitos anos e merecem ser normalizadas na publicidade brasileira.” Para ele, “a falta de representação de pessoas trans na propaganda contribui para que haja um abandono familiar. Se não há famílias com pessoas trans representadas na propaganda, então, normaliza-se o apagamento dessas pessoas na realidade”.
Não são muitos os exemplos de anúncios publicitários com pessoas LGBTQIAP+. Recentemente, a Shell, com a agência Wunderman, contou a história de Afrodite, uma caminhoneira trans. O chiclete Trident, da Mondelez, apoiou a Casa Chama, que ajuda pessoas em situação de vulnerabilidade social. A cerveja Amstel, da Heineken, e o café Starbucks também desenvolveram projetos com e para o público LGBTQIAP+.
“Não faz sentido a comunicação não mostrar toda essa diversidade, seja ela de gênero, orientação sexual, raça, cor, idade ou origem cultural”, disse Mario D’Andrea, presidente da Abap que também participou do encontro. “É preciso que equipes de empresas, clientes ou agências de comunicação sejam cada vez mais diversas e inclusivas – é dos diferentes pontos de vista que se obtém trabalhos mais próximos da realidade da nossa sociedade”.
Confira matéria no Valor
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