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28 de setembro de 2022
PLs que usam conceitos restritos podem falhar em combater a desinformação
A batalha judicial já começou. Ações do Tribunal Superior Eleitoral mostram que a campanha eleitoral de 2022 nos trouxe algumas doses do mais puro suco de fake news: desde a suposta cartilha que ensinava crianças a usarem drogas, até o suposto QR Code existente no título de eleitor que direcionaria votos para determinado candidato.
Mas os casos típicos de notícia com conteúdo inverídico parecem contar apenas uma parte da história. Há novidades nas formas de disseminar desinformação. Em alguns casos, a desinformação resulta de ilações sobre ações futuras produzidas sem base fática razoável, como na sugestão de que determinado candidato, se eleito, perseguiria grupos religiosos. Em outros, ela decorre da divulgação de fatos verdadeiros, mas sem a contextualização adequada. Vejam-se os exemplos (i) da difusão do valor de gasto do governo federal com leite condensado (R$ 18 milhões), sem a devida contextualização de que as compras eram destinadas para diversos órgãos do Poder Executivo; e (ii) das insinuações sobre a suposta ligação entre partido político e uma conhecida organização criminosa, com base em áudios retirados do seu contexto original.
E por que isso importa? No livro “Estratégias contra Fake News – Dados empíricos do combate travado por legisladores e juízes”, que acaba de ser lançado pela Editora FGV Direito Rio e está disponível para download gratuito neste link, examinamos qualitativa e quantitativamente as 190 proposições legislativas referentes às fake news debatidas no Congresso Nacional desde 2010.
Uma das frentes da pesquisa se destinava a identificar os conceitos de fake news utilizados nas proposições, a partir de uma lista de elementos conceituais encontrados na literatura sobre o assunto — circunstâncias que teriam que ser verificadas na realidade para que algo pudesse ser caracterizado como fake news, para fins de aplicação da norma, tais como “intencionalidade de enganar”, “motivação ideológica”, “disseminação por plataformas ou redes sociais”. Feita a análise, observou-se que a “falsidade do conteúdo” é o elemento conceitual mais presente, aparecendo em 80 das 190 proposições identificadas.
Na direção contrária, a literatura sobre o assunto há muito superou a visão dicotômica para identificar o fenômeno. Pesquisas sugerem a inconveniência de se ater ao binômio falso/verdadeiro para combater a desinformação, sendo importante adotar concepção mais matizada do fenômeno, diante do surgimento de novas estratégias para disseminação de tais conteúdos pelas redes sociais. Tão relevante quanto a identificação da falsidade pura e simples, seria a criação de ferramentas capazes de mapear situações nas quais o impacto junto à audiência se dá pelo uso de fatos distorcidos, de caracterizações imprecisas da realidade ou da descontextualização de determinados elementos verdadeiros.
Compreender o fenômeno das fake news como uma gradação, defendem os estudiosos, é a estratégia conceitual mais adequada para possibilitar que o combate se dê de maneira mais efetiva. Sem tal compreensão matizada, haveria dificuldades para atuar, por exemplo, diante de situações como aquelas mencionadas no início deste texto.
Mas essa não foi a opção prevalente de nossos legisladores. As iniciativas existentes no Congresso Nacional — ao privilegiarem a falsidade do conteúdo e não abarcarem em sua tipificação a disseminação de fatos distorcidos, imprecisos e/ou descontextualizados — podem dificultar o trabalho do aplicador da lei no combate à desinformação.
O Projeto de Lei 2630/2020 — conhecido como o “PL das Fake News” — parece confirmar o padrão anteriormente identificado. Trata-se da proposição que se encontra em estágio mais avançado de tramitação no Congresso Nacional e, apesar de possuir um conceito explícito (circunstância rara, encontrada em apenas 10 dos 190 PLs), prevê como circunstâncias necessárias para a caracterização do fenômeno tanto a “intencionalidade de enganar”, como a “falsidade do conteúdo” e a “capacidade de criar falsas crenças/percepções” na audiência. Em outras palavras, um projeto que já foi votado no Senado Federal e encontra-se na casa revisora, a Câmara dos Deputados, tendo sido objeto de audiências públicas e de intenso debate junto à sociedade civil, pode ter feito uma escolha que dificultará o combate às novas formas de desinformação.
Esse caráter subinclusivo das proposições existentes parece indicar que os parlamentares olharam mais pelo retrovisor, sem atentar para a dinamicidade do fenômeno. A verdade é que conceitos importam. E, em certa medida, definem quais os instrumentos estarão à disposição dos aplicadores da lei no combate às estratégias desinformadoras.
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