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19 de janeiro de 2023
Nina Santos acredita que diálogo com plataformas digitais deve preceder imposições legais: “Não faz sentido começar com postura de embate”
O forte uso das redes sociais nos atos terroristas ocorridos no Distrito Federal no dia 8 de janeiro evidenciou o alerta de pesquisadores e entidades da sociedade civil sobre o uso desregulado de plataformas digitais em uma sociedade politicamente dividida.
Segundo Nina Santos, coordenadora-geral do Desinformante, projeto de combate à desinformação no Brasil, o governo pode buscar diálogo com empresas donas das plataformas para melhorar o cenário delicado do país – mas não deve abrir mão da decisão final.
“Não podemos ficar à mercê de uma definição de regras de empresas privadas que não têm representatividade na sociedade brasileira”.
Ela vê com bons olhos a criação de uma Secretaria de Políticas Digitais como um dos primeiros atos de Lula (PT) na presidência. “É um sinal dos tempos”, afirma.
Em entrevista ao Byte, Santos disse acreditar que o legado do governo de Jair Bolsonaro (PL) sobre fake news deve ser considerado antes de qualquer nova política pública. “Tínhamos um governo que era um dos maiores produtores de desinformação do Brasil”, diz.
Veja a entrevista:
Nina Santos: Se formos falar de erros, é importante nos lembrarmos que, até 31 de dezembro do ano passado, tínhamos um governo que era um dos maiores produtores de desinformação no Brasil. Isso é um problema independente de termos ou não política pública voltadas ao tema, pois estamos falando de atores dentro do governo produzindo desinformação.
Passado isso, outro problema é falta de um quadro legal e jurídico que dê conta dos problemas que vêm desse novo ambiente de segurança digital: desinformação, segurança de dados e privacidade.
Houve uma tentativa em 2021, focada no PL das Fake News (PL 2630/2020), mas ele acabou não prosperando. É um projeto com pontos criticáveis, mas o fato é que depois que o PL foi arquivado, não houve tentativa de construir um arcabouço mais completo e amplo deste ambiente digital.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assinou, em 2022, um memorando de entendimento com plataformas, mas tudo é ainda muito fragmentado e conjuntural.
Este é o principal erro e problema que vemos hoje: mesmo as medidas positivas são medidas que dependem muito da boa vontade do ator do momento.
Nina Santos: É um assunto polêmico que não consigo resumir de forma rápida, mas podemos citar alguns temas que ficaram ainda controversos mesmo depois de tanta discussão no PL 2630. Um deles é a questão da imunidade parlamentar, isso é um ponto que precisa ser discutido e vejo como problemático.
Tem o tema da valorização do jornalismo, uma eventual remuneração para veículos jornalísticos, isso é algo que sucita debates e controvérsias e precisa ser mais aprofundado.
Por fim, tem o tema das plataformas de mensageria, de como lidar com esse ambiente que mistura essa comunicação interpessoal e comunicação em larga escala…isso ainda não me parece plenamente resolvido.
Nina Santos: A própria resolução do TSE é um bom exemplo. Ela tomou algumas medidas bastante efetivas, como aumentar o tempo em que a publicidade digital é proibida para 48 horas antes do pleito e 24 horas depois das votações.
Além disso, as decisões judiciais passaram a contemplar conteúdos idêntidos, ou seja, se você pede para retirar um conteúdo “x” da internet, conteúdos idênticos a ele são incluídos – na dinâmica das redes, é muito comum essa replicação. Essas duas medidas são positivas.
Nina Santos: João tem uma trajetória muito importante e relevante de atuação no campo da democratização da comunicação. Eu acho que o Desinformante tem esse objetivo de colocar em discussão o combate que se dá não no varejo, e sim no atacado.
O fato de ele ter concebido, colocado de pé e coorenado a iniciativa do Desinformante mostra o compromisso com o tema e traz experiência importante no acompanhamento de medidas que vêm sendo tomadas pelo governo.
João é muito hábil na articulação com entidades da sociedade civil e conhece grande parte das entidades que lida com as questões digitais, então é um grande nome para liderar a discussão.
Nina Santos: Altíssimas. É muito bom que o governo esteja criando estruturas institucionais para lidar com essa questão digital. Além da Secretaria de Políticas Digitais, temos outras secretarias surgindo em diversos órgãos do governo para lidar com o tema. É ‘um sinal dos tempos’, e mostra a preocupação em lidar com essas questões. O ‘como’ é que é desafiador.
Nina Santos: Um bom primeiro passo seria tentar reunir os conhecimentos que já existem sobre o problema no Brasil.
Temos anos de pesquisa sendo feitas nas universidades, pela sociedade civil e pelas plataformas, e o ideal seria chamar tais pessoas para dialogar e entender: como as plataformas se colocam, o que pesquisadores apontam para problemas e soluções e, a partir desse cenário, entender o que pode vir a ser essa tal ‘regulação’.
Vamos reviver outro projeto de lei? Vamos fazer regulação via Judiciário?
O “desenho dos caminhos” será ruim se for feito a partir do zero, como se não tivéssemos conhecimento acumulado sobre o tema, coisa que a gente tem – e muito. Ouvir atores envolvidos faz com que a formulação de política pública parta de patamar superior.
Nina Santos: Não faz sentido começar um processo de discussão sobre regulação em uma postura de embate. Não vejo porque não começar com a tentativa de diálogo, já que cada plataforma tem posições, equipes e regras diferentes e podem ter comportamentos diferentes. O diálogo permanente é o melhor para entender o posicionamento de cada uma.
Por outro lado, são empresas multinacionais que não estão originalmente sediadas dentro do Brasil e o que elas levam em conta para estabelecer próprias regras não é o quadro legal brasileiro.
Então, de alguma forma, tem também o trabalho de deixar claro para elas o que vale e o que não vale para o Brasil. Mostrar quais são os poderes autorizados, num regime democrático, a representar o povo brasileiro, e que quem precisa estabelecer as regras do que vale e o que não vale no debate público são esses atores.
Não podemos ficar à mercê de uma definição de regras de empresas privadas que não têm representatividade na sociedade brasileira.
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