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4 de outubro de 2022
A questão do Brasil não é econômica ou política e sim de cidadania
O escritor e jornalista Eduardo Bueno também traduz e cria roteiros. É autor de Brasil: uma história, Brasil: terra à vista, além da coleção Brasilis. Apresentou a série É muita história, da TV Globo, em 2007, e hoje conduz B de Brasil, do History. No canal Buenas Ideias, do YouTube, o historiador conta o que Não vai cair no Enem. Sobra talento para a propaganda. Convites vieram, mas Bueno resistiu ao assédio. Hoje, ele admite o serviço prestado pela publicidade. Da história do Brasil, porém, vem a certeza de que educação ainda está longe de ser prioridade.
Qual é a sua percepção da publicidade brasileira?
A propaganda parece o caso do d. Pedro I. É bipolar. Ele teve um lado, que era progressista e quis um país melhor. E teve outro, autoritário e reacionário. Com a propaganda, a mesma coisa. Durante muito tempo, foi servil, e ainda é, aos interesses do capital. Ao mesmo tempo, sempre teve um quê de rebeldia, de liberdade, criando modelos de comportamento. No passado, por exemplo, com o cigarro, servia aos interesses da indústria tabagista. Por outro lado, criou uma mística e, assim, apareceram figuras rebeldes.
Qual é a sua relação com o setor?
Tenho ligação com a propaganda há anos. A minha mulher é publicitária, o meu irmão trabalhou por anos na publicidade. Quando jovem, fui daqueles que a combatia. Cheguei a ser convidado para fazer publicidade, mas falava que jamais me venderia. Porém, isso tudo foi mudando. A própria propaganda vive hoje dilemas, assim como o que o livro e a literatura vivem, que a história vive, que o jornalismo vive, com a chegada das redes sociais.
Como enxerga o impacto do ambiente digital?
Os anúncios viraram peças no YouTube, no Instagram, tem o papel dos influencers e tal. Indiscutivelmente, a internet tem potencial incisivo de impacto hoje e, infelizmente, também as redes sociais. Eu sou bem refratário, não tenho redes sociais pessoais. Tenho, sim, as redes sociais dos meus canais de conteúdo. Você não vai descobrir nada da minha vida pessoal. Na minha vida profissional, claro, é indispensável. Surgiram novas mídias, que vão ter de ser utilizadas, pelo menos em parte, para educar. Só o que interessa é educar. E, hoje, só dá para educar com entretenimento, ainda mais em uma época tão audiovisual.
As marcas se preocupam em falar sobre inclusão e diversidade. Acha que essas mensagens são realmente assimiladas pelos brasileiros?
A massa, talvez, ainda não esteja totalmente preparada para as mensagens das minorias. Mas nesse sentido, a propaganda presta um dos maiores serviços à humanidade, que jamais prestou. É preciso reconhecer que a propaganda já prestou grandes maus serviços anunciando agrotóxico, por exemplo. Mas sempre houve, historicamente, momentos em que a propaganda se posicionou, especialmente a favor da liberdade de expressão, já a própria propaganda é fruto da liberdade de expressão. Nesse momento em que a propaganda resolve abordar a questão de gênero, do racismo estrutural, a questão feminista, do meio ambiente, ainda bem que está fazendo isso. E tem de continuar. Com o tempo, a propaganda acaba sempre fazendo com que as suas mensagens sejam absorvidas. Desta vez, a propaganda veio para uma tentativa de construção de um mundo melhor, de um mundo mais inclusivo e com menos diferença de gênero e racismo.
Como a publicidade contribui para a imagem do Brasil?
A propaganda brasileira realmente se projeta mundialmente. Ela sempre reuniu grandes mentes criativas, que eu, aliás, critiquei durante muito tempo. Depois, entendi, era um ganha-pão. Alguns até ganhavam muito, salário de jogador de futebol, mas não sou eu que vou regular salário de ninguém, né. Porém, eram escandalosos, principalmente dos grandes chefões. E eu conheci a todos. Aliás, alguns até me convidaram para escrever. A propaganda brasileira foi muito criativa nos anos de 1970 e 1980, com um zoológico de Leões de Cannes. O Brasil levava muitos prêmios, e ainda leva.
O brasileiro já foi mais criativo?
Embora haja um celeiro de talentos criativos na propaganda, acho que eles ainda estão vivendo uma perplexidade com o surgimento da internet e das redes sociais. Não vejo, pelo menos, no YouTube ou no Instagram do meu canal, entrarem campanhas que chamem a atenção. Lembro de uma, de um chiclete, com um cara rebelde, que achei maravilhosa. Quando a propaganda é boa, todo mundo olha. Mas, particularmente, não vejo uma propaganda realmente boa há tempos. Agora, vai ter de ser a propaganda no TikTok ou no YouTube. No meu caso, se a pessoa vê o anúncio no meu canal até o fim, meu adsense será maior. Mas, nem mesmo eu consigo ver os anúncios até o fim, eu pulo, porque são ruins. Fica aqui um chamamento ao mercado, para ser mais criativo.
Já participou de alguma campanha?
Fui convidado por uma marca de iogurtes funcionais para fazer uma ação, vinculando a história com o produto nesses 200 anos da Independência. Como conteúdo, é muito legal, já que d. Pedro estava com diarreia na ida para São Paulo, em sua jornada rumo ao Grito do Ipiranga. Adorei o convite. Só o fato de eles terem pensado, foi bem legal.
Como historiador, qual a sua avaliação da fase que vivemos hoje?
Esse período será lembrado pelos desmandos do governo anterior, que pavimentou o acesso da direita e extrema-direita, que sempre existiram no Brasil, país que sempre teve um viés conservador. Puderam contar ainda com a ajuda das redes sociais, um fenômeno mundial. Você pode até não gostar desse governo, mas não pode dizer que não é autêntico. Ele é duplamente genuíno porque foi eleito democraticamente, por 56 milhões de pessoas, é bom lembrar, e porque representa um país conservador. Esses caras têm voz nas redes sociais, e não podemos suprimir essa voz. Sou um democrata, a voz deles deve ser anunciada. O que não pode é deixar essa voz comandar os destinos do Brasil porque ela não está
qualificada para isso.
Como analisa a educação ao longo da história do Brasil?
O projeto de Estado do Brasil é a deseducação. Na época de Portugal, quanto mais as pessoas soubessem, mais iam querer reivindicar liberdade. Na fase da Independência, quanto mais o povo tivesse acesso ao conhecimento, menos ia querer a hegemonia do Centrão e da bancada ruralista, porque a Independência foi uma articulação do Centrão, exatamente igual ao de hoje. Guardadas as diferenças, a ideologia era a mesma. A bancada ruralista do Senado queria manter os interesses de uma classe agroexportadora dependente da escravidão. O interesse era de que a escravidão não fosse abolida, ao contrário do que já tinha acontecido na Argentina, Uruguai, Colômbia, Bolívia. A República tenta investir, mas cai na verba pública. Não pensam na educação e sim na verba. E a verba some. A educação vai sendo levada aos trambolhões. Depois, vêm os períodos ditatoriais. No projeto varguista, há investimento em educação, só que de lavagem cerebral, com o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, querendo criar em Getúlio Vargas a figura do grande líder. Chega a era moderna, que logo sofre o golpe militar, e traz o Mobral. Então, nunca se concretizou um projeto de educação popular. Há um projeto, sim, de não apostar na educação, e esse é o principal problema. A questão do Brasil não é econômica ou política, mas de cidadania. E cidadania só exerce quem tem conhecimento. E só tem conhecimento quem tem educação.
Qual é o saldo das comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil? Ainda há o que comemorar?
Temos tudo a comemorar, palavra que não necessariamente quer dizer festejar ou celebrar. Comemorar significa relembrar. É um processo de memória coletiva. A gente não fez hoje, como já não fez nos 500 anos do descobrimento do Brasil, quando um dos grandes destaques acabou sendo um livro meu, chamado A viagem do descobrimento, que vendeu 400 mil exemplares. E não pense que estou falando isso para me exibir. Pelo contrário. Tenho quase vergonha de que um dos principais acontecimentos ligados aos 500 anos tenha sido o meu livro. Era para ser um livrinho. Eu adoro acusar a propaganda de todos os defeitos possíveis, mas, nesse caso, precisamos lembrar que ninguém fez nada, tirando o History.
Como encara a sua participação no projeto do History?
Com menos vergonha, e muito mais orgulho. O History se destaca nos 200 anos. Na série B de Brasil, mostramos como a história é cheia de ação, aventura, sangue, suor, sêmen. É feita por seres humanos. No caso da Independência, há paixões incandescentes como a de d. Pedro pela Marquesa de Santos, tem a separação traumática dele e da Leopoldina, daí Leopoldina morre, e o povo se põe contra d. Pedro, que ainda tem outros casos amorosos. Não só isso. Há a cavalgada de d. Pedro do Rio de Janeiro até São Paulo, aí ele proclama a Independência, vai de São Paulo de volta ao Rio de Janeiro, ainda com o episódio do desarranjo intestinal, para humanizá-lo ainda mais. A série tem uma pitada ficcional, ou melhor, não é ficcional, é baseada em fatos reais. Mas tem reconstituições com atores. Ali, pudemos ter mais leveza, projetar um país melhor.
Tem também a sua participação na série da CNN. Como foi?
Fiquei orgulhoso de estar também na Brasil 200+, onde participei como entrevistado. O projeto é interessante porque aborda como serão os próximos 200 anos, e não os 200 anos de 1822 a 2022. É uma projeção de como será o Brasil. Só lamento que a minha visão tenha sido pessimista. Acho que vamos ter quatro ou oito anos, independentemente do resultado dessas atuais eleições, e espero que o atual governo não tenha continuidade, ainda bem difíceis pela frente. Não acho que haverá a mudança tão esperada, do agora vai.
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