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5 de setembro de 2023
Desde o início do ano, com o avanço de ferramentas de inteligência artificial generativa como ChatGPT e Midjourney, uma série de setores passaram a discutir quais poderiam ser os impactos da IA no seu trabalho. O mercado publicitário não fugiu disso.
O debate ganhou força quando, no mês passado, a AlmapBBDO uniu as cantoras Elis Regina e Maria Rita por meio de deepfake para a campanha de 70 anos da Volkswagen no Brasil. A ação mobilizou as redes e dividiu opiniões entre aqueles que se emocionaram com a peça e os que questionaram o uso de deepfake para representar alguém que já morreu.
Fato é que, para além da presença no produto final, a inteligência artificial já faz parte dos processos que envolvem a produção de um filme publicitário. De acordo com as produtoras, hoje, a maior presença de IA está na pré e pós-produção. Na pré-produção, as ferramentas têm ajudado os diretores a materializarem conceitos e traz agilidade para pesquisa.
Na prática, se antes era preciso investir horas para encontrar as referências exatas e – por vezes, não as encontrar – hoje, a inteligência artificial consegue criar as imagens a partir da demanda. Isso facilita a visualização, criação de conceitos e storyboards.
Já na parte final, as ferramentas de IA trazem agilidade para pós-produção, no tratamento das imagens, correção de cenário, etc. Até agora, o processo de filmagem é o que tem sido menos impactado pelo avanço da inteligência artificial. “O processo de gravação ainda tem um requinte particular, em que a filmagem depende muito de uma execução humana. Hoje, costumo usar a IA como um facilitador de processos, ou até mesmo para tirar certas ideias do papel”, explica Vokos, diretor de cena na Cine.
O nível de adoção das ferramentas varia entre as produtoras e mesmo entre os profissionais, mas muitas já vinham testando soluções do gênero e sentiram a aceleração no desenvolvimento dos recursos desde o boom do ChatGPT, no começo do ano.
Se nos primeiros testes, a possibilidade era gerar imagens em alta resolução. Hoje, aplicativos como o Runway, executam produções inteiras de filmagem. O resultado, no entanto, ainda tem um nível de sofisticação limitado. “O resultado ainda precisa ser taxado como algo feito em IA, porque ainda temos resquícios dessa estética. Ainda não mudou o metabolismo da produção audiovisual”, opina Gabriel Nobrega, sócio e diretor da Vetor Zero.
Ainda assim, a entrada dessas ferramentas representa alguns benefícios. Por ajudar na visualização de um projeto antes que ele exista, a IA se tornou uma aliada na hora de vender as ideias. “Antes tínhamos de usar muitas referências, tentar chegar o mais palpável possível do conceito para que o cliente entendesse e aprovasse o que estávamos propondo. Hoje, a ferramenta consegue materializar qualquer coisa”, narra o diretor da Cine.
Da mesma forma, a IA permite que os diretores realizem projetos autorais e visualizem suas ideias, sem depender tanto do orçamento. Esse movimento impacta a dinâmica de mercado. “Deixou a concorrência mais acirrada entre diretores porque melhorou a qualidade de tratamento”, aponta Caio Montanari, da dupla Nylon, da Átomo.
Além disso, em um mercado que sofre com os prazos, a inteligência artificial também soma agilidade às produções. Mas os efeitos disso não são uma unanimidade. “Com IA, vamos conseguir ter tudo mais rápido, mas não acho que isso seja bom. Vai ficar tudo muito fast food. A propaganda vai virar cada vez mais técnica e menos arte”, defende Rafael Damy, sócio e diretor de cena da Santeria.
Os diretores também destacam que a dinâmica criada pela IA pode ser diferente do que se conhece até hoje. Isso porque ela não só materializa os comandos, mas propõe coisas.
Em uma comparação com outros setores, a discussão sobre inteligência artificial na publicidade estaria mais avançada que no cinema, por exemplo, onde existe menos investimento e um ritmo de adoção menos acelerado. A tecnologia, por outro lado, sai na frente em entender as possibilidades da ferramenta.
“Ela ainda não é uma pílula mágica. Você deve usar em determinadas etapas para ter um bom produto”, define Caio Montanari.
Nesse cenário de testes e adaptação, a própria necessidade de criar comandos envolve um aprendizado. “O desafio é como mandar a ferramenta fazer algo. Ainda estamos aprendendo a trabalhar com ela e colocando a equipe para se inteirar”, conta Luiz Braga, executivo da O2 Filmes, sobre a experiência na produtora. Sobre a recepção dos profissionais, no geral, as companhias narram que não há um senso comum. Para alguns, a inteligência gera medo e dúvidas. Outros estão empolgados com as possibilidades de adoção.
Do lado dos clientes, haveria um aumento de pedidos por IA e um certo encantamento pela novidade. Rafael Damy pondera sobre os riscos que o avanço da ferramenta pode significar para a produção. “Temos que tomar um grande cuidado com relação ao desenvolvimento do ser humano. A gente deixa de fazer as perguntas certas”, avalia. Para ele, em pouco tempo, veremos peças inteiras serem feitas com inteligência artificial. “Nós vamos deixar de criar e terceirizar isso para a máquina”, opina.
Bruno Silva Maruyama, da dupla Angry com Gabe Maruyama, destaca também que os processos realizados com IA limitam a capacidade de decisão e a liberdade natural da criação. “Na IA, é muito mecânico. Dentro da matemática, existe limite na decisão, na liberdade de escolha”, conta. Ao mesmo tempo, eles reconhecem que a inteligência artificial pode ajudar a achar caminhos quando as referências existentes não dão conta de materializar as ideias para criar algo novo.
Essa lógica automatizada em que não há um controle total dos processos também pode representar um desafio para os clientes. “Tem uma liberdade de criação da própria IA que você não controla. Fez está feito. Não tem uma ‘refação’”, indica Boca Ceravolo, da dupla Nylon. Por “refação”, entende-se o processo em que o cliente pede pequenas ou grandes mudanças na peça ou em uma de suas partes.
Com esse cenário, uma palavra parece ser primordial para o desenvolvimento da IA na produção publicitária: tempo. “Quando algo novo chega, isso pode gerar reações opostas. Ainda precisamos desbravar esse território, esperar as primeiras impressões serem deixadas de lado, e criarmos percepções mais sólidas sobre o que a IA representa”, defende Vokos, diretor de cena na Cine.
Ainda assim, há quem acredite que estar entre os early adopters representa uma vantagem competitiva. “Nenhuma perspectiva esperou todo mundo estar no mesmo degrau para avançar”, afirma Gustavo Gripe. Ele compara o momento atual com o de entrada no digital.
Outro fator que deve ser considerado nessa equação para entender o impacto da inteligência artificial na produção é o custo necessário para ter essas ferramentas dentro de casa. E, nesse sentido, as opiniões também variam. Hoje, as ferramentas de IA são acessadas por meio de assinaturas em plataformas de software.
“Ainda está bem barato porque as plataformas subsidiam o teste para as pessoas”, explica o CEO da Landscape. Mas ele alerta: “Corre o risco de encarecer quando se tornarem exigências do pipeline”.
Mas também existe uma oportunidade de redução de custos à medida que a tecnologia diminui a quantidade de pessoas envolvidas no processo. Fato é que, hoje, essa conta ainda não está clara. “Esse é um cálculo difícil. Trabalhamos com criatividade e a IA ainda não chegou lá definitivamente. Ainda não temos como dizer o quanto vamos investir e quanto vai retornar de fato para a empresa”, avalia Luiz Braga.
A longo prazo, as discussões envolvendo IA estão longe de chegar ao fim. As apostas dos diretores incluem uma ressignificação da pós-produção com uma maior integração das ferramentas, histórias sendo contadas com cada vez menos dificuldade e muita discussão ética. Um desses debates é sobre emprego.
“O audiovisual emprega muita gente. Um marceneiro que faz o set também não quer ser descartado”, afirma Felipe Luchi, fundador e sócio da Santería. “A partir do momento em que uma empresa começa a recorrer a essas ferramentas e ganha vantagem competitiva todo o mercado precisa se recompor”, acrescenta.
Outro risco seria que o ganho de agilidade em tarefas mecânicas gere mais cobrança e sobrecarga para os profissionais. “Podemos gerar máquinas de burnout. Avançar mais rápido no volume de entregáveis simplesmente porque é possível”, considera Gustavo Gripe, fundador e CEO da Landscape, ecossistema de produtoras que compartilham serviços.
Mas há também quem acredite que o furor criado pela IA pode perder força. Bruno Silva Maruyama lembra que a arte tem um caráter cíclico e, constantemente, revistamos estéticas do passado. “Vai chegar uma hora em que vamos querer ver um processo mais artesanal”, explica.
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