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13 de julho de 2023
O Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu, nesta segunda-feira, 10, um processo parar apurar o vídeo da Volkswagen que recria por meio de deepfake a cantora Elis Regina. A peça publicitária da AlmapBBDO teve grande repercussão, na semana passada, como um exemplo de aplicação de deepfake na publicidade. A tecnologia, que por muito tempo ficou associada a fake news e golpes na internet, também tem aplicações consideradas “do bem”.
O Novo Veio De Novo, mote da campanha de 70 anos da marca automotiva, traz a recriação de Elis Regina, morta em 1982, ao lado de sua filha, Maria Rita, cantando o sucesso Como Nossos Pais. De acordo com o órgão, “os consumidores questionam se é ético ou não o uso de ferramenta tecnológica e Inteligência Artificial (IA) para trazer pessoa falecida de volta à vida como realizado na campanha, em particular os princípios de respeitabilidade, no caso o respeito à personalidade e existência da artista, e veracidade.”
De acordo com o músico Paul McCartney, ainda este ano será lançada uma “música fina” dos Beatles feita através de Inteligência Artificial. Para completar a canção, a tecnologia extraiu de uma demo antiga a voz do integrante falecido John Lennon.
Gustavo Fortunato D’Amico, advogado especializado em direito autoral e entretenimento, explica que a decisão do órgão é importante. “Pois estabelecerá um precedente significativo para o debate da ressurreição digital no Brasil. Ao discutir a legitimidade dos herdeiros para autorizar um processo de recriação digital, o Conselho avaliará um ponto crucial no assunto: até onde vai o papel do herdeiro como guardião do legado. Isso ocorre, porque, ao contrário do que pode parecer, a imagem é um direito intransmissível.”
Ainda de acordo com Gustavo, “cabe aos familiares o direito de zelar pelo que foi construído pelo falecido em vida, em vez de exercer um controle direto sobre elementos de personalidade para a produção de novas obras. Entender o contrário é colocar os sucessores como verdadeiros titulares da imagem de outra pessoa, algo que nossa lei não reconhece.”
“De qualquer forma, é importante aceitar que a tecnologia está presente e a tendência é que seu uso se torne cada vez mais comum, o que gera a necessidade de rever a forma como lidamos com os direitos de personalidade e compreender o papel dessa tecnologia no futuro do entretenimento. Assim, embora a decisão do Conar tenha poderes apenas na regulação do mercado publicitário, ela abre um caminho importante no debate sobre o uso da tecnologia e na forma com que a sociedade enxerga a recriação digital”, conclui o advogado.
João Gebara, especialista em propriedade intelectual e advogado do escritório Murta Goyanes, explica que, em primeira avaliação, os direitos de personalidade que englobam o de imagem, por exemplo, são intransmissíveis e irrenunciáveis, conforme prevê o artigo 11 do Código Civil. “Ou seja, não é um bem material, tal como imóvel ou automóvel, sujeitos à sucessão hereditária. A ação da Volkswagen é uma estratégia inovadora e ousada, mas o Código Civil prevê o uso dessas imagens desde que não firam a honra e a reputação da pessoa”, explica.
Direitos dos mortos na era da IA
Existem vários outros casos semelhantes ao de Elis Regina para muitas finalidades. Há dez anos, por exemplo, o rapper Tupac Shakur, morto em 1996, surgiu nos palcos do Coachella por meio de uma projeção holográfica. Recentemente, Paul McCartney afirmou que uma canção inédita dos Beatles será lançada ainda em 2023 usando a tecnologia que extraiu a voz de John Lennon de uma demo antiga.
Morto em 2014, o ator Robin Williams é uma referência no direito para a decisão da pessoa ainda em vida. Williams deixou um documento que restringia o uso de sua imagem até 25 anos após sua morte. O documento especifica, inclusive, a proibição de uso para formatos como holografia, por exemplo.
Rodrigo Volponi, cyberpsicólogo especializado pela Nottingham Trent University, na Inglaterra, pondera que é um assunto complexo pois envolve, além dos fatores culturais, também elementos biológicos e cognitivos.
“Por exemplo, o celular acabou se tornando uma extensão do nosso corpo. Não vivemos sem ele. Será natural que eventualmente o acesso à informação que o celular disponibiliza seja integrado à experiência biológica, e aqui entramos em uma temática pouco discutida, mas severamente importante, que é o transhumanismo. O que estamos vivenciando com estas experiências tecnológicas da atualidade não é nada perto do que acontecerá no futuro. Em ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’, o personagem principal faz uma videochamada com sua família enquanto passava pela Lua. Um filme de 1968, e à época acharam essa possibilidade das mais remotas: uma simples videochamada, sendo que hoje é tão natural quanto fazer uma simples ligação. Não sabemos e nem fazemos ideia das possibilidades do futuro”, afirma Volponi.
Confira matéria na Forbes
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