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3 de novembro de 2022
Em vez de apenas recomendar conteúdo, os algoritmos de plataformas como a Netflix podem vir a se tornar criadores
Em 2004, um grupo de acadêmicos publicou um artigo de jornal que tentava prever como a internet evoluiria quando o seu domínio sobre a consciência predominante se tornasse absoluto. O que eles observaram foi uma tendência à centralização. Conteúdos cada vez mais reunidos em torno de “portais” – centros de informações que dominavam certos setores, como viagens, tecnologia e notícias.
Com o passar dos anos, essa previsão se mostrou incrivelmente certeira, embora os autores não pudessem prever outras mudanças sísmicas no cenário online – como a explosão de conteúdo gerado pelo usuário, as redes sociais e o entretenimento premium baseado em assinaturas.
À medida que a presença da internet crescia, esses primeiros hubs (como Yahoo e AOL) se tornaram ativos altamente lucrativos, transformando milhões de cliques em receita. Impulsionados por seus primeiros sucessos e por quantias generosas de financiamento de capital de risco, esses portais expandiram suas operações e criaram conteúdo mais diversificado, o que por sua vez atraiu mais leitores.
Pode parecer óbvio, mas é preciso dizer: aqueles portais fizeram sucesso porque deram às pessoas o que elas queriam. E conforme ficavam mais sofisticados, mais eles podiam refinar suas ofertas, entregando conteúdo sob medida voltado para os interesses individuais do usuário.
Dezessete anos depois
Os tempos mudaram. A web de hoje é dominada por algoritmos da Netflix, Alphabet, Meta e Apple. Eles têm uma influência incrível sobre as vidas dos usuários, sugerindo conteúdo e rastreando seus hábitos para fazer recomendações ainda mais importantes com base em decisões que eles não estão tomando de modo consciente.
Isso não deve ser interpretado como uma crítica. A hiper personalização é boa para os consumidores. Debates mais profundos sobre “bolhas algorítmicas” à parte, as pessoas querem consumir conteúdo que se alinha aos seus interesses.
A hiper personalização também é melhor para as empresas que, diante dos crescentes desafios macroeconômicos, precisam produzir conteúdo de sucesso com uma consistência cada vez maior.
E, sem dúvida, ela é melhor para quem trabalha com criação. Afinal, as decisões sobre o que é bem recebido e o que é cancelado agora podem ser centradas em análises empíricas de dados. Só há um problema: os dados de consumo fornecem um indicador de interesse relativamente superficial.
Dados mostram aquilo em que um espectador ou leitor já está interessado, mas nem sempre se saem bem no esforço para encontrar outros tópicos ou gêneros que eles possam achar atraentes. Além disso, os dados não mostram a profundidade do interesse ou da ligação emocional que os usuários têm com o conteúdo que estão consumindo.
Esse dilema é dolorosamente familiar para aqueles que trabalham na esfera das notícias ou na produção de conteúdo escrito. No início de 2010, as portas de entrada para o conteúdo escrito mudaram. Em vez de acessar a página inicial de um jornal ou publicação, os leitores encontrariam artigos em seus feeds de rede social.
O Facebook e o Twitter fornecem aos criadores de conteúdo pouca possibilidade de atrair cliques. Há o título e uma descrição curta da matéria, e só. Assim, as publicações começaram a se basear cada vez mais em manchetes clickbait.
Nos anos seguintes, os hábitos de consumo de conteúdo mudaram de artigos hipervirais entregues em escala algorítmica para conversas menores e mais íntimas, centradas em interesses discretos. TikTok, YouTube e Twitch criaram um grande número de influenciadores digitais, entidades de mídia concentradas em um indivíduo, muitas vezes superando antigos impérios de notícias em alcance e influência.
O que todas essas empresas de tecnologia têm em comum é que elas permitem os tipos de experiências sob medida exigidas pelos consumidores, onde o conteúdo que eles veem se alinha com suas opiniões e interesses.
Nos últimos anos, as mídias anteriores ao boom das redes também começaram a tentar fornecer conteúdo personalizado e alinhado ao gosto do leitor. Mas os fundamentos econômicos em grande parte delas tornaram esse objetivo impossível de alcançar.
Contudo, conforme a tecnologia em torno da IA se torna mais sofisticada e o poder de computação mais barato, a indústria está à beira de uma nova revolução de mídia: o conteúdo gerado por robôs, feito sob medida para os desejos exatos de um único consumidor, mas com a mesma qualidade proporcionada por um escritor ou artista humano.
Nos últimos anos, o conceito de jornalismo automatizado começou a ser mais aceito dentro das principais organizações de mídia, onde algoritmos produzem artigos em questão de segundos com base em um punhado de dados e entradas.
Inteligências artificiais com capacidade de gerar conteúdo com base em comandos, como o DALL-E 2, já avançaram na criação de conteúdo exclusivo com base nas solicitações do usuário. Com o tempo, o conteúdo gerado por IA parecerá menos uma novidade e mais uma forma aceita de criar conteúdo.
Os consumidores poderão solicitar peças sob medida com base em seus gostos, desgostos e necessidades distintas. Já estamos testemunhando os primeiros sinais dessa revolução nos mundos da arte e dos videogames.
O potencial do conteúdo gerado sob medida por IA é ilimitado. Em vez de plataformas como a Netflix apenas recomendarem conteúdo de um catálogo, por exemplo, seus algoritmos podem se tornar criadores de novos conteúdos.
Não é difícil imaginar um futuro próximo em que um assinante da Netflix diga: “quero assistir um drama de ficção científica com um universo futurista lindamente construído e um enredo de viagem no tempo alucinante”. E, alguns momentos depois, ele receberá exatamente o conteúdo que imaginou e pediu.
A web sob medida não será apenas mais divertida. Ela vai proporcionar melhores resultados educacionais e de saúde. A pesquisa ficará mais fácil. Os alunos poderão conseguir professores particulares gerados por máquina, adaptados ao seu estilo de aprendizagem sobre as matérias e assuntos que consideram mais difíceis ou mais interessantes, dando aos professores reais mais tempo com cada aluno. Os pacientes poderão acessar informações de saúde ajustadas às suas necessidades, condições ou objetivos específicos.
Essa concepção de web é empolgante e empoderadora. Utópica até, mas firmemente baseada na realidade. Será tão radicalmente transformadora quanto o lançamento do Google. O Google apenas forneceu um caminho sem atrito para conteúdos que já existiam. A web sob medida, por sua vez, desempenhará um papel ativo na criação desse conteúdo.
Confira matéria na Fast Company
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