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7 de março de 2022
Dois anos depois de adoção do trabalho remoto devido à pandemia, decisões sobre controle de jornada e ajuda de custo são divergentes
Há dois anos, por causa da pandemia da Covid-19,milhões de trabalhadores que cumpriam suas tarefas em computadores de prédios empresariais transformaram suas próprias casas em escritórios particulares. Iniciado às pressas, o home office agora tem suas características – das horas gastas no WhatsApp ao aumento das contas de luz – escrutinadas pela Justiça do Trabalho. E algumas decisões envolvendo o controle de jornada no home office têm sido desfavoráveis às empresas.
No Brasil, durante o pico de restrições à pandemia, eram 8,2 milhões de pessoas nessa situação, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desde então, esse número oscilou, mas é certo que não voltou ao patamar anterior à pandemia. A mudança generalizada para o esquema de teletrabalho – previsto pela CLT na reforma trabalhista de 2017 – foi adotada para ajudar no combate aos efeitos da Covid-19.
Naquele momento, uma medida provisória dispensou a necessidade de serem feitos acordos individuais ou coletivos, além do registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. A decisão cabia ao empregador, porém disposições sobre a responsabilidade pela infraestrutura necessária e reembolso de despesas arcadas pelo empregado deveriam ser previstas em contrato escrito até 30 dias após a mudança de regime.
O tempo passou e nem todas as empresas cumpriram as exigências para a adequação ao home office; e entre as que se adequaram, restaram dúvidas sobre como se cercar de boas práticas para evitar demandas futuras e acusações de negligência.
Como mostra o Ipea, a maior parte dos trabalhadores nesse esquema tem ensino superior e mora no Sudeste, com destaque para São Paulo. Por isso, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) concentra maior número de casos julgados sobre o o home office durante a pandemia. Apenas no mês de fevereiro, há dezenas de decisões sobre o tema. O JOTA resume a seguir as principais conclusões delas.
A questão da jornada de trabalho – e, consequentemente, a contabilização de horas extras – é explorada em fatia significativa dessas decisões, que ainda não são homogêneas quanto a essa obrigação. O principal motivo é que teletrabalho está entre os regimes excepcionais de controle de jornada horária pelo empregador (no artigo 62, III, da CLT, introduzido pela reforma trabalhista).
Alvo de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, o Banco BTG Pactual foi obrigado a instalar sistema de controle de jornada no home office, em decisão liminar de dezembro passado. O pedido havia sido feito para impedir que os funcionários trabalhassem mais horas do que o limite permitido pela CLT. A ordem foi mantida pela juíza Lavia Lacerda Menendez, da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo, na segunda-feira da semana passada (21/2).
Ao apreciar as alegações da empresa sobre os cuidados tomados, ela afirmou: “Louvável a iniciativa de propiciar equipamentos, treinamentos e orientação quanto à saúde dos empregados, mas tal não exclui a proteção efetiva que representa a limitação de jornada e é imposta por lei”.
Menendez também diz que o teletrabalho já existia antes da pandemia, que não criou “exceção legal ao dever de controle de jornada”. Além disso, se a empresa afirma que as pausas são respeitadas, o controle existe, mas ele precisa ser formalizado e implantado por sistema “de forma efetiva e transparente”.
A inconsistência na marcação de ponto, constatada a partir dos depoimentos de testemunhas, levou à anulação dos registros de horários de uma vendedora da Via (antiga Via Varejo). Como consequência, foi desconsiderado o regime de compensação por horas extras e bancos de horas.
Com isso, durante o período em que trabalhou em home office, foi fixado o horário de 8h às 23h, já que os atendimentos aconteciam por WhatsApp, no celular da funcionária e a qualquer momento do dia. O juiz Fernando Maidana Miguel, da 2ª Vara do Trabalho da Praia Grande, decidiu pelo pagamento das horas excedentes à jornada de 44 horas semanais, além dos reflexos nas garantias trabalhistas, como FGTS e férias.
Uma rotina de trabalho semelhante foi alegada por outra funcionária de uma das lojas da Via. Nesse caso, a juíza Cintia Aparecida de Paula Latini, da 74ª Vara do Trabalho de São Paulo, desconsiderou a possibilidade de horas extras ao observar que o trabalho dependia do portal da empresa, que funcionava a partir das 9h e às 18h já estava travado. Foi determinante para a empresa que ela tivesse essa condição a seu favor.
Além do teletrabalho, pessoas que exerçam cargo de confiança ou façam trabalho externo também são excetuadas ao controle de jornada previsto na CLT. No caso desse último, desde que o trabalho seja incompatível com a fixação de jornada de trabalho. A Justiça já lida com esses casos há mais tempo do que com o teletrabalho, e o entendimento feito sobre essas duas situações frequentemente é semelhante.
Ponto comum é que, na visão de parte dos julgadores, os dois regimes não necessariamente dispensam que seja feito o controle de jornada, embora o dispositivo sobre teletrabalho da CLT preveja expressamente que trabalhadores dessa modalidade não são abrangidos, sem exceções, pelo controle de jornada. A CLT determina também que não deve ser ignorado o período máximo de oito horas diárias, e excepcionalmente mais duas adicionais.
A 17ª Turma do TRT2 lidou, em decisão deste mês, com a fixação de jornada em relação a um trabalhador que fazia vendas de equipamentos da Pagseguro pela empresa Net+Phone. Antes externo com visitas à empresa, na pandemia foi para home office.
Em ambos os casos, os magistrados entenderam não haver qualquer impeditivo para o controle de jornada no home office. Além disso, a empresa havia demonstrado ter prática de jornadas fixas, que poderiam ter controle de horário pelo WhatsApp, e existência de reuniões diárias. Isso foi suficiente para indicar capacidade de observação sobre o cumprimento da jornada, ainda que não existisse ponto. Nesse caso, porém, pelos cálculos dos horários, não havia horas extras a serem pagas.
Fica claro o entendimento, comum em outras decisões, de que a exceção feita ao controle de jornada “é a efetiva impossibilidade de fiscalização da jornada por parte da empregadora pela incompatibilidade dela com as atividades exercidas pelo trabalhador”, como afirma a relatora Maria de Fátima da Silva.
A mesma interpretação foi feita para o regime de teletrabalho de uma operadora de telemarketing, com fixação de horas extras, indenização por folgas e por intervalos não concedidos. O desembargador Moisés dos Santos Heitor, 1ª Turma do TRT2, afirmou: “O teletrabalho deve ser alcançado pelo regime de horas extras quando possível o controle patronal da jornada de trabalho” a exemplo do que se aplica ao trabalho externo.
Nesse caso, foi acolhida a possibilidade de controle de jornada no home office por meio do sistema de login e logout da empresa. “A autora atuava como operadora de telemarketing, não sendo, portanto, o tipo de atividade que pudesse ser realizada a qualquer hora do dia e em qualquer momento, com autonomia e liberdade para gerir os horários de trabalho”, pontuou.
Além disso, é geralmente invocada a disposição da CLT que prevê que o registro do horário de trabalho é obrigação do empregador e que, se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados deve constar em registro manual, mecânico ou eletrônico (artigo 74).
Há também entendimentos no sentido contrário. A 3ª Turma do TRT2 desconsiderou o pedido de horas extras de uma vendedora que passou para o teletrabalho, firmado em aditivo contratual. Ela reclamou que ficava à disposição da empregadora das 8h às 23h, e eram cobradas metas, relatórios e os horários de trabalho. Os magistrados entenderam que, diferentemente do regime externo, o teletrabalho não tem controle de jornada, e negou o apelo para apurar horas extras.
Na mesma direção, a juíza Virginia Maria Bartholomei Casado deu ganho de causa à fabricante de tratores Komatsu e tratou o home office como trabalho externo e, portanto, sem a possibilidade de controle de jornada. Ela explicou que não havia provas de que a advogada, que era funcionária da empresa, cumpria a jornada que alegava, sobretudo porque “ela não tinha jornada controlada quando passou a trabalhar no sistema ‘home office’, haja vista que, por exercer suas funções externamente, efetivamente não era possível à ré fiscalizar a duração do labor”.
No capítulo da CLT sobre o teletrabalho, é estabelecido que um contrato escrito disponha sobre a responsabilidade pela “aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado”.
Segundo as medidas para a pandemia, esse contrato deveria ser firmado em até 30 dias após o início do trabalho remoto. Não há, tanto na CLT, quanto nas leis válidas para lidar com a emergência sanitária, a obrigação de que esses custos devam ser cobertos pelo empregador.
Porém, a partir do princípio de que o ônus do negócio deve ser assumido pela empresa, é mais provável que essa responsabilidade recaia sobre ela. Essa perspectiva aparece em uma série de decisões que determinam indenizações em razão da falta de apoio de empregadores no home office.
Termo firmado com funcionários para o teletrabalho e ajuda de custo de R$ 90 por certo período não foram suficientes para evitar a transferência de riscos e custos da empresa, segundo decisão da juíza Raquel Marcos Simões, da 24ª Vara do Trabalho de São Paulo. A empresa Teleperformance CRM precisou reembolsar um ex-funcionário pelo aumento de R$ 50 na conta de luz e pelo pacote de R$ 79 de internet.
Também em relação aos custos, não há uniformidade nas decisões. Enquanto uma vendedora da Via Varejo (a mesma do caso já citado nesta reportagem ao não ter obtido horas extras) teve decisão de ressarcimento de R$ 49,99 pela conta de internet e celular, outra ex-funcionária, não teve este pleito atendido.
Nesse segundo caso, a juíza Marina Junqueira de Azevedo Barros, da 2ª Vara do Trabalho de Taboão da Serra, disse que seria “necessária prova inequívoca do prejuízo, o que não acontece no caso”. Em ambas as situações, o foco foi apenas nesse gasto, já que as ex-funcionárias não demandaram outras coberturas, como energia elétrica, celulares ou computadores.
A ajuda de custo pode ser firmada em convenção coletiva, o que poderia delimitar valores devidos pelas empresas. Em duas ações contra o Bradesco Financiamentos, pedidos de reembolso foram negados com base nas disposições deste documento por juízes da 5ª e 6ª Vara do Trabalho de Osasco. O dispositivo que estabelecia certos reembolsos não era válido durante a emergência sanitária, conforme convenção.
Os benefícios acordados em convenção coletiva também não podem ser suspensos com a mudança para o teletrabalho. Após suspender o vale-refeição na pandemia, entre março de 2020 e junho de 2021, o escritório de advocacia ML Gomes precisou reembolsar o valor do benefício no período a ex-funcionário e, pelo descumprimento à norma, pagou multa (nesse caso, de R$ 143,80).
A partir da aplicação dos dispositivos sobre o teletrabalho na prática, há pontos que merecem atenção especial das empresas. As divergências sobre o regime dispensar ou não o controle de jornada, por exemplo.
“A mudança de paradigma de o trabalho em home office ser baseado em entregas, com mais flexibilidade horária, gera muitas discussões. Por isso, o controle informal pode gerar riscos para o empregador”, avalia o advogado trabalhista Joel Gallo, do escritório Souto Correa, de Porto Alegre.
Por conta da possibilidade de, em disputas na Justiça, prevalecer o entendimento de que seria possível fazer o controle do trabalho remoto, mas a empresa não cumpriu com essa obrigação, pode ser necessário manter postura mais conservadora. “Mesmo no teletrabalho, adotar controle pode ser importante para áreas em que não há alternativa de horários”, diz Gallo.
Na Súmula 338, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) dispõe que, caso o empregador não cumpra a obrigação de controlar a jornada ou forem inválidos os controles de jornada, é presumido que os horários de trabalho apontados pelo trabalhador são verdadeiros. Nesse caso, não se trata especificamente do teletrabalho, mas o entendimento foi estendido a ele em alguns casos em que magistrados entenderam não haver impedimento para o controle de jornada.
No período analisado, frequentemente foram considerados registros feitos fora do ponto eletrônico convencional, desde que eles sejam confiáveis em delimitar o teto das jornadas. “É mais seguro que sejam feitos registros em sistemas online definidos para isso, sem registros britânicos. Mas o RH e os gestores precisam estar frequentemente fiscalizando para não ser excedida a jornada legal”, aponta Bruna Garner, advogada trabalhista do PGLaw, em São Paulo.
O aditivo com a mudança do trabalho presencial para o home office deve prever a flexibilidade horária e o regime por demanda, se for o caso. Pela CLT, a mudança para o teletrabalho deve ser acordada entre empregador e funcionário, mas o retorno ao escritório é decisão apenas da empresa, que deve avisar com 15 dias de antecedência.
Também é recomendável que o documento contenha os valores de ajuda de custo, ainda que não haja convenção coletiva sobre o tema. “Ficou convencionado que o home office poderia suspender o vale transporte, mas valores referentes a refeições e alimentações, não. É mais seguro manter os benefícios, mesmo sem obrigação legal, além de estipular reembolsos, já que o ônus do negócio é do empregador”, diz Mariana Pedroso, do escritório Chenut Oliveira Santiago, em Belo Horizonte.
A reportagem entrou em contato com as empresas citadas e que tiveram condenações na Justiça envolvendo teletrabalho. A Via respondeu que não comenta processos judiciais. BTG, CRM e Komatsu não retornaram os contatos antes da publicação; o espaço está aberto.
Confira matéria no Jota
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