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‘Telegram não está acima das leis do país’, diz pesquisador de Harvard

Fonte: UOL

1 de fevereiro de 2022

Para tentar negociar formas de barrar a disseminação de fake news que afetem a campanha eleitoral deste ano, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, tentou várias vezes contato com os responsáveis pelo Telegram. Não recebeu, porém, nenhuma resposta do diretor executivo do aplicativo de mensagens, o russo Pavel Durov. Diante disso, uma das possibilidades cogitadas por Barroso é banir o Telegram do país.

A medida é motivo de acirrada discussão entre especialistas. Alguns reconhecem no banimento um perigoso precedente contra a liberdade de expressão e também há quem acredite que é ineficaz, pois mesmo bloqueado no Brasil o aplicativo poderia ser acessado através de alguns recursos.

Para o brasileiro David Nemer, professor de Estudos de Mídia da Universidade de Virgínia e pesquisador da Universidade de Harvard (EUA), apesar de lamentável o banimento do Telegram vai se justificar se a empresa continuar se recusando a atender os chamados para dialogar com o TSE.

“Infelizmente, o banimento pode realmente abrir um precedente ruim”, opinou Nemer, em entrevista à coluna. “Mas um precedente muito pior é as empresas ficarem acima da lei”.

A seguir a entrevista do pesquisador e autor do livro “Tecnologia do Oprimido”:

UOL – O que acha da possibilidade levantada pelo TSE de banir o Telegram do Brasil por se recusar a negociar mecanismos de controle de fake News e outras distorções?

David Nemer – Todo o esforço para fazer o contato, para tentar uma solução é válido. A desinformação disseminada no Telegram não é benéfica para o brasileiro, assim como o banimento do Telegram também não é benéfico. Só que ninguém está acima das nossas leis e da nossa Constituição. Muito menos quando pode interferir no nosso maior processo democrático que são as eleições presidenciais.

Uma vez que o Telegram deliberadamente se recusa a conversar, é a empresa que adota uma postura antidemocrática. Sendo assim, não tem como a empresa fazer parte de uma democracia. Então, o STF tem seus motivos para chegar ao banimento, infelizmente.

Alguns especialistas alegam que a medida é ineficaz, já que o aplicativo poderia ser baixado através de formas alternativas, como por exemplo VPN (do inglês Virtual Private Network, uma rede de comunicações privada construída sobre uma rede de comunicações pública). O que acha desse argumento?

Uma das formas de banimento é pedir a retirada do aplicativo da appstore ou Google Play. Banir cem por cento realmente não tem como. Porque é possível fazer uma VPN, baixar o aplicativo pelo site. Mas se formos pensar no perfil de quem usa, do brasileiro comum, o tio Rubens ou a Tia Karen, esses não vão recorrer a VPN.

Qualquer etapa que você adiciona nesse processo tecnológico é uma desmotivação a mais para as pessoas, boa parte delas desiste. Esse banimento parcial eliminaria parte do alcance das fake news.

E quanto ao risco de abrir precedente para limitar a liberdade de expressão?

Infelizmente, o banimento pode realmente abrir um precedente ruim. Mas um precedente muito pior é as empresas ficarem acima da lei. Nossa liberdade de expressão é regulada, tem um limite: a Constituição.

Qual o grande problema do Telegram?

Quem buscar no Telegram grupos sobre nazismo, vai achar. Tem grupos que falam sobre estupros de crianças. Uma loucura. Eles (do Telegram) sabem que existe esse tipo de conteúdo, mas não fazem nada para moderar. Não se trata de retirar conteúdo, mas limitar o alcance das mensagens, como fez o WhatsApp.

Detectar tiro em massa é possível. Detectar quando há, por exemplo, 100 mensagens disparadas por segundo, já se sabe algo que nenhum ser humano pode fazer.

Outras big techs têm problemas, mas se dispõem ao menos a dialogar com as autoridades, negociar mudanças. O STF quer ver alguma boa vontade das empresas para lidar com o problema.

Qual a solução definitiva?

Desde o Marco Civil da Internet as coisas mudaram muito. É preciso ter ajustes, é preciso ter uma comissão permanente de técnicos. O governo Temer fez uma comissão com pessoas ligadas à tecnologia, uma decisão acertada. O Parlamento deveria ter uma assessoria assim.

O Marco Civil foi um processo bacana, que teve discussão pública, espaço para opinar. A questão é que diante da dinâmica das big techs tudo deve ser atualizado.

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