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A lei de serviços digitais da união europeia e a lei de fake news

Fonte: Migalhas

21 de janeiro de 2022

A proposta da UE é calcada no princípio da proporcionalidade e visa promover um comportamento responsável e diligente, por parte dos prestadores de serviços intermediários, para garantir um ambiente em linha seguro.

Por Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho, sócia do escritório Medina Osório Advogados. Doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

A União Europeia está cada vez mais próxima de aplicar a chamada “Lei de Serviços Digitais”, legislação que foi discutida recentemente no Parlamento Europeu  e seguirá para votação do acordo final,  o qual, caso aprovado, ainda dependerá de aprovação  nos estados membros2. Será um marco na regulação das atividades dos gigantes da Internet e afetará milhões de europeus todos os dias, em um cenário mundial onde se discute sobre a postura de toda a rede mundial de computadores, e sobre os limites territoriais dessa repercussão, pois a lei também se aplicará a empresas sediadas fora da UE se prestarem serviços no mercado único.

O DSA – Digital Services Act permitirá que os usuários possam emitir opinião sobre o conteúdo que recebem online, indicar conteúdo ilegal e façam contato com empresas de comunicação social, no caso de terem suas contas bloqueadas. Posteriormente, a plataforma será obrigada a informar quaisquer decisões tomadas e, também, poderá ser responsabilizada pela desinformação. 

Destaca-se, ainda na legislação, a necessidade de clareza jurídica para as plataformas e usuários, bem como o respeito pelos direitos fundamentais, dado o rápido desenvolvimento da tecnologia, com regras que incluem relatórios claros, responsabilidades de transparência, baseadas em evidências sobre a responsabilização por serviços digitais, que garantam aos intermediários da Internet um nível adequado de segurança jurídica.

A proposta da UE é calcada no princípio da proporcionalidade e visa promover um comportamento responsável e diligente, por parte dos prestadores de serviços intermediários, para garantir um ambiente em linha seguro, no qual permita que os cidadãos exerçam livremente os seus direitos fundamentais, em particular a liberdade de expressão e informação. Para isso, as principais características da proposta é limitar o regulamento ao estritamente necessário para atingir esses objetivos. Conteúdos que não sejam necessariamente ilegais não devem ser removidos, em razão da sensibilidade ligada à liberdade de expressão.

Os limites da liberdade de expressão e da regulamentação são extremamente sensíveis, sendo de aplicação imediata às sanções previstas, por partes dos provedores de redes sociais, somente os conteúdos eminentemente ilegais, tipificados como crime em lei, devendo nos demais casos o usuário ser notificado previamente e ser concedido o direito de defesa. 

No Brasil, foi editada em 6/9/21, a MP 1.068/21 que se propunha alterar dispositivos da lei 12.965/00, a qual estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet e dispositivos da lei 9.610/98, que trata dos direitos autorais. A legislação trazia conceitos como os de rede social, de moderação, como seriam as ações dos provedores quanto à exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário e ações de cancelamento ou suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades de conta ou perfil de usuário de redes sociais, estabelecendo ainda uma forma de contraditório e solução de controvérsia que deve ser estabelecida pelo próprio moderador.

A referida legislação previa conceitos indeterminados como “moderação indevida” (art. 8-A IV) e  “justa causa” (arts. 8-A V; 8-A VI; 8-B, 8-B § 1º, 8-C, 8-C § 1). A “moderação indevida” é de difícil subsunção, pois não havia sido estabelecido um mecanismo de solução de litígio bem definido. A “justa causa” tem, igualmente, grande conteúdo valorativo. O conceito de “justa causa”, no âmbito das ações de improbidade e penais, por exemplo, deve ter um filtro, de acordo com as palavras do professor Fábio Medina Osório, o que determina que a justa causa “é precisamente o conjunto de elementos concretos aptos a desencadear um juízo de verossimilhança em relação à pretensão punitiva estatal”. 

A MP 1.068/21 foi rejeitada pelo Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional 58/21, em resumo, sob os seguintes fundamentos (i) que a mesma disciplina indevidamente, com detalhes, questões relativas ao exercício de direitos políticos, à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, matérias absolutamente vedadas de regramento por meio do instrumento da MP, conforme expressamente previsto pelo art. 62, § 1º, inciso I, alínea “a”, da CF/88; (ii) traz disposições que impactam diretamente no processo eleitoral, (iii) que versa sobre o mesmo tema tratado no PL 2.630/20, que visa a instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, uma matéria de alta complexidade técnica e elevada sensibilidade jurídico-constitucional para a qual o Congresso Nacional já está direcionando o seu esforço analítico e deliberativo; (iv) que as disposições geram considerável insegurança jurídica aos agentes a ela sujeito e sua mera tramitação já constitui fator de abalo ao desempenho do mister constitucional do Congresso Nacional.

O texto do PL 2.630/20  já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, que promoveu alterações atribuindo, por exemplo, ao já existente CGI.br – Comitê Gestor da Internet as funções do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, criado pelo texto do Senado, promovendo diretrizes para a elaboração do Código de Conduta dos provedores, bem como institua uma câmara multissetorial para atender exclusivamente aos objetivos da lei, composta por 17 membros do poder público, sociedade, civil, academia, setor empresarial e organizações de verificadores de fatos, com mandato de 2 anos. O texto retornou ao plenário do Senado Federal e o último movimento em 19/1/21 foram as juntadas dos Ofícios 041/20, da Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – ASSESPRO ; Ofício PR/DL 107/2020, da Câmara Municipal de Jundiaí -SP; e da Manifestação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (CÂMARA-E.NET). A manifestação da ASSESPRO  aduz que, alterar o MCI – Marco Civil da Internet de forma a imputar às empresas fornecedoras de plataformas digitais uma responsabilidade excessiva, quanto às ações de particulares nesses ambientes, e jogar atribuições do Estado ao setor privado, pode inviabilizar novos negócios baseados em dados e redes sociais, em virtude do alto custo de entrada trazido pelas novas responsabilidades. Já a CÂMARA-E.NET sugere que as penalidades sejam aplicadas somente pelo Poder Judiciário, assegurando o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. O texto recebeu até nota de repúdio da Câmara Municipal de Jundiaí e teve 152 emendas.

O tema é bastante polêmico por si só, seja no Brasil seja na UE. Se por um lado um poder político que passa a dirigir tudo, comprimindo a vida cotidiana dos cidadãos, de acordo com Baracho, atua como um déspota, administrando ao invés de governar, sem respeito a autonomia, por outro, imagine-se também um poder, sem limites, de um provedor de conteúdo da Internet. Ainda mais sobre os direitos de liberdade que exibem o status negativus, significando a autodeterminação do indivíduo quanto suas ações ou omissões, sem constrangimento por parte do Estado. Assim sendo, de grande importância não só a discussão com a sociedade como a sua participação ativa, como bem andou o PL 2.630/20.

Nas exatas palavras de Habermas “o uso público de liberdade comunicativa depende de formas de comunicação asseguradas juridicamente e de processos discursivos de consulta e de decisão, para tanto,  para alcançar o princípio no qual todo poder do Estado emana do povo tem que ser asseguradas, conforme as circunstâncias, as liberdades de opinião e de informação, de liberdades de reunião e de associação, de liberdades de fé, de consciência e de confissão, de autorizações para a participação em eleições e votações políticas, para a participação em partidos políticos movimentos civis, etc”.

Se é assim no mundo real, não haveria de ser diferente no mundo virtual!

1 Em Portugal, foi aprovada a lei 27/21, que tem gerado muita polêmica, principalmente quando confere à  Entidade Reguladora para a Comunicação Social a competência sobre: “criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados” e “incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. Disponível aqui.  

2 O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa submeteu o texto a fiscalização abstrata de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional. Disponível aqui. 

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